sexta-feira, 1 de maio de 2009

CRISE E TRANSFORMAÇÃO: UM CAMINHO MUTACIONAL


CRISE E TRANSFORMAÇÃO: UM CAMINHO MUTACIONAL
Argentino Neto*
Referência: NETO, Argentino. Crise e Transformação: um caminho mutacional. UEPA. 2008.
Resumo: O presente artigo pretende fazer uma breve análise do Filme “Ponto de Mutação”, mais na sua essência filosófica do que em sua estética cinematográfica. A idéia é explorar a teoria do filme, inspirada no livro homônimo de Fritjof Capra, trazendo para discussão a crise existencial da humanidade, com um enfoque educacional, ou seja, diante da realidade, examinar o papel da educação. Diante da crise, a necessária transformação, um caminho mutacional.
Palavras-chave: Artigo. Crise. Transformação. Ponto de Mutação. Educação.

"Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito.”
William Blake

Se queremos entender a crise que hoje estamos vivendo, o livro de Fritjof Capra intitulado O Ponto de Mutação, que deu origem às idéias do filme homônimo de Bernt Capra, nos oferece elementos fundamentais, mas não só isso, oferece também o que é mais importante, a oportunidade de vislumbrar possíveis soluções para a tal crise, através de transformações que a própria crise revela.
Diante disso, cabe a nós, primeiramente, termos a compreensão da crise e das transformações advindas, para que possamos, aceitando-as, transformar nossas ações de modo benéfico.
A crise, segundo Capra, já não é apenas uma crise de indivíduos, governos ou instituições sociais; é uma transição de dimensões planetárias. Como indivíduos, como sociedade, como civilização e como ecossistema planetário, estamos chegando a um momento decisivo¹.
Sobre a transformação em nosso planeta, diz: a transformação que estamos vivenciando agora poderá muito bem ser mais dramática do que qualquer das precedentes, porque o ritmo de mudança em nosso tempo é mais célere do que no passado, porque as mudanças são mais amplas, envolvendo o globo inteiro, e porque várias transições importantes estão coincidindo².
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*Argentino Neto é Músico e Arte-educador e Graduando em Licenciatura Plena em Música pela Universidade do Estado do Pará.
1: Fritjof Capra. Ponto de Mutação, p. 23.
2: Fritjof Capra. Ponto de Mutação, p. 23.

Buscamos também conhecer os significados de tais palavras com o auxílio do dicionário. A palavra Crise, do latim, krísis, quer dizer: estado de dúvidas e incertezas; fase difícil, grave, na evolução das coisas, dos fatos, das idéias; tensão e conflito. A palavra Transformação: do latim, transformatione, que tem a seguinte definição:
modificação do estado de um sistema.
Através destes significados podemos enfatizar a crise como um estado difícil, de dúvidas e incertezas, mas que também aponta um caminho, uma possibilidade de transpassar o estado de crise, através do exame das condições originais da crise, pode vir a transformação, motivada pela própria busca da felicidade que está em todos nós. Portanto, podemos compreender crise e transformação enquanto coisas interligadas.
O professor Benedito Nunes, quando escreveu o prefácio da Antologia Poética de Max Martins, cita a crise enquanto processo criativo, chamando-a de “o processo de cada livro do poeta”. Por exemplo, “a incorporação do espaço como distribuidor de ritmo e revelador visual do significado, o poema passando à categoria de composição topográfica inclusiva de um desenho letrista, icônico, adviria na terceira crise, encetada em H’Era (1971) e resolvida em O OVO FILOSÓFICO (1975), que precedeu O RISCO SUBSCRITO (1976), culminância desse período”.
No texto do professor Bené, como é carinhosamente chamado por seus admiradores, a terceira crise quer dizer o que gerou o processo criativo, que pode ser uma convivência com um novo amigo, ou uma leitura, é um aspecto diferente de crise, porém, podemos ver que também diante deste tipo de crise, seu resultado é pela transformação de algo ou em algo, que neste caso, são os próprios poemas de Max Martins, que dispensam maiores comentários.
O filme Ponto de Mutação nos leva a refletir algumas questões, que perpassam toda humanidade, qualquer indivíduo, um dia se faz tais indagações. No Tibet, os monges budistas, como parte de suas meditações diárias reservam um destes questionamentos: O que estou fazendo de minha vida, qual o papel da existência humana no planeta. Na África, segundo o etnomusicólogo Kazadi Wa Mukuna, tudo que permeia a vida social é indicada através de uma frase simples, mas de significado profundo: Pertenço, logo existo. Ou seja, para existir preciso pertencer: à minha família, meu Estado, meu País, etc. Tal raciocínio é diferente do clássico cartesiano: “Penso, logo existo”, pois, antes de pensar, já existo, porque pertenço. Talvez entendendo o significado dessa frase, compreenderemos não só um continente, tão complexo como a África, mas, o verdadeiro significado da existência humana, a vida.
Compreensão. Percepção. É disso que precisamos. Segundo o filme, e consequentemente o livro, Ponto de Mutação, o mundo passa por uma crise de percepção, tal crise não nos deixa enxergar o que está bem diante de nossos olhos, é que vemos o mundo de forma desintegrada, fragmentada, esquecendo de que tudo está conectado. Para debater tais questões, no filme encontramos três personagens distintos em áreas de atuações, mas, representativos, em termos de classes, na sociedade: um poeta, um político e uma cientista. E, tanto no livro quanto no filme, encontramos uma abordagem poética, científica e política. A poética é toda baseada numa sabedoria milenar chinesa: o oráculo I ching, mas presisamente no Hexagrama de n° 24, O retorno também conhecido como o livro das mutações encontramos, uma ótima significação de crise e transformação: Ao término de um período de decadência sobre vêm o ponto de mutação. A luz poderosa que fora banida ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela força... O movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo ê introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando daí, portanto, nenhum dano.
A abordagem científica é toda baseada pela vivência de Capra, já que ele é PhD em física quântica, com pesquisas em Teoria de Sistemas Complexos. Capra numa entrevista de 30 de janeiro de 2003 é perguntado sobre o porquê um PhD em física quântica decidiu pesquisar ecologia e escrever livros como O Tao da Física, Ponto de Mutação e Teia da Vida? No que respondeu: - Isso tem acontecido com freqüência. Sou parte de uma geração que criou uma grande rede de educadores ambientais e de militantes da mudança social. A maior parte de meus companheiros tiveram duas ou três profissões antes de se dedicarem a esse trabalho atual. É sinal dos tempos. Acredito também que deve haver uma influência da minha juventude. Passei meus primeiros anos numa fazenda, na Áustria, em um ambiente bem rural. Eu, meus irmãos e meus primos trabalhávamos na fazenda e tínhamos de caminhar quatro quilômetros para tomar um trem e chegar à escola de segundo grau. É interessante que hoje consigo desenhar mentalmente um mapa daquela fazenda. E apesar de isso ter se passado há quarenta anos, recordo-me como se fosse hoje a posição de cada árvore, de cada plantação de morangos e de batatas. Isso está marcado profundamente em minha memória. Ou seja: meu amor pela ecologia começou bem cedo, na infância. Na mesma entrevista, Capra se diz abismado e perplexo de ver como as idéias do livro escritas na década de 80, até hoje são discutidas inclusive nas reuniões da ONU, o que mostra que pouca coisa mudou: - Estamos no mesmo ponto em que estávamos no final os anos 80. E o que aconteceu desde aquela época? A revolução tecnológica. Houve tremendos avanços que produziram entusiasmo e esquecimento de outras coisas fundamentais, ao mesmo tempo em que se criou uma verdadeira fé no capitalismo global, que é extremamente destrutivo.
Então a abordagem política presente no filme é transcendente, é inspirada numa nova concepção de mundo, uma concepção política mais perto da realidade, uma política que atenda realmente os anseios das pessoas, nas questões mais amplas, ou seja, as questões políticas debatidas no livro e no filme ultrapassam os limites corriqueiros, não se discute no filme se o Presidente de uma Nação deve ou não, distribuir no seu sistema social, dinheiro ou mesmo alimentação aos mais pobres. E ainda mais que isso, encontramos propostas de extinção da fome no mundo. Encontramos também a reeducação alimentar, como solução para o desmatamento na Amazônia e conseqüentemente, a diminuição de problemas cardiovasculares e cardiorrespiratórios.
Mas então, isso não seria um absurdo? Como podemos citar a reeducação alimentar como solução para o desmatamento? Ou, o que o desmatamento tem haver com os problemas do coração? A resposta: tudo. Tudo isto está interligado através de uma teia de relações. Todas as ações sejam elas as menores, como um simples caminhar, respirar ou falar, no universo tem uma conseqüência. A partir deste pensamento, deveríamos nos preocupar mais, quando jogamos lixo em via pública e mais, quando não reutilizamos, nem reciclamos e muito menos reduzimos o lixo que produzimos. Deveríamos nos preocupar com a nossa alimentação, será que precisamos comer carne bovina com tanta freqüência? Porque o desmatamento é acelerado quando comemos carne em demasia? Simples: o gado para ser criado precisa de pasto, e onde encontramos terra em demasia é no norte do País, na Amazônia, porém, nas terras amazônicas, encontramos vida em abundância, biodiversidade encontrada essencialmente na floresta, quando um criador de gado derruba árvores para fazer um pasto, derruba com elas todo um ecossistema. Repito, tudo está interligado, se pensarmos numa esfera mais ampla, especialmente espiritual, sentiremos com naturalidade que até nossos pensamentos, tem um resultado na natureza, uma conseqüência no universo.
Tendemos, principalmente nos dias atuais, muito mais a separar do que unir, tornamo-nos individualistas e conseqüentemente egoístas, com o passar do tempo. Vemos então, na educação um belo exemplo de desintegração: as disciplinas que compõem um currículo educacional, são todas interligadas, porém, os professores geralmente, institucionalizam e departamentalizam suas disciplinas, de forma que, o professor de matemática, ministra sua disciplina sem se dar conta que o caminho matemático é facilmente percebido, em outras áreas do conhecimento e vice-versa. Em um mundo globalizado então, a interdisciplinaridade é o que mais viabiliza a compreensão do todo em termos educacionais. Quando percebermos que todas as áreas do conhecimento são igualmente importantes, que todas elas estão interligadas, veremos também a educação de forma diferenciada, pois a educação também vive uma crise, especialmente nos países subdesenvolvidos.
Cabe então, para nós educadores, a seguinte pergunta, qual é o papel da escola neste cenário? O filme e o Livro, mostram-nos alguns caminhos que podem revelar o sentido da educação dentro de um mundo cheio de contradições. É aí que a escola tem seu papel de reestruturação, embora se discuta bem mais sobre isso do que se faça realmente algo. A família, o meio social juntamente com a escola, precisam exercer sua função social, mais ainda que função, missão. Precisamos saber o porque que escolhemos da educação o nosso meio de trabalho, pois, a esfera ideológica assume grande importância enquanto elemento de coesão social. Para o mercado capital trata-se de uma mercadoria como outra qualquer e isso é uma das razões que provocam nos países uma certa correria para uma reestruturação. O que torna mais democrático o sistema educacional é promover formas consensuais de tomada de decisões.
Sem sombra de dúvidas os Capra, Fritjof e Bernt, respectivamente pai e filho, trazem para as pessoas duas obras de sensibilidade e reflexão sobre a existência humana, num contexto de desenvolvimento e evolução, buscando um equilíbrio especialmente nas idéias de sustentabilidade.
Assistindo o filme vemos os três personagens conversando e percebemos que cada um em seu universo contribui para a compreensão das idéias do livro, o político (claramente inspirado em Al Gore) e o poeta, amigos, estão em busca de uma compreensão da vida, ou ao menos, em busca de algo que os leve a uma compreensão. O terceiro personagem, a física, busca um caminho diferente: se transformar no isolamento, na fuga. É que percebe, frustrada os resultados de suas ações e criações. Através dos longos diálogos dos três personagens claramente percebemos alguma solução para um futuro mais promissor para a raça humana, que no filme chamam de raciocínio ecológico, o em contraponto ao pensamento cartesiano clássico, pensando em um mundo de recursos exauríveis, orgânicos e espirituais, sejam da natureza ou da capacidade de absorver as injustiças sociais.Todas estas questões são dificilmente ainda compreendias justamente pela crise de percepção, pois, quando abrirmos as portas das percepções, o mundo se mostrará tal como é: infinito.
E, o princípio disto é ver o todo, entendo sua conexão de fracioná-lo, percebendo a interatividade e a integração. Nossa existência gera um impacto global, nunca esquecendo que vivemos ciclos contínuos, renovação e ainda independentemente de nossas ações, nosso planeta flui em um processo vivo, se adaptando, transcendendo, progredindo, transgredindo padrões, evoluindo. Por isso evoluímos não só no planeta, mas com o Planeta.
“Um lugar tão grande serve para mostrar o quanto somos pequenos”.














Argentino Campos de Melo Neto




Referências bibliográficas
ARANTES, Cléber Agnaldo. Ponto de Mutação. Disponível em Acesso em 21 ago. 2008.
EcoAgência de Notícias. O ponto de mutação já passou - entrevista com Fritjof Capra. 30 de janeiro de 2003 concedida a Carlos Tautz. Disponível em http://www.agirazul.com.br/fsm4/_fsm/00000098.htm > Acesso em 20 ago. 2008.
BELOTE, Ernesto. O Ponto de Mutação. Disponível em . Acesso em 21 ago. 2008.

BRUNO, Lúcia. Poder e administração no Capitalismo Contemporâneo.

MARTINS, Max. Poemas Reunidos. Belém. EDUFPA.2001.

CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação, Ed. Cultrix, 1992.


Filmografia

O Ponto de Mutação. Direção: Bernt Capra.

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